9.7.09

O tráfico e o Frikandel

Considerando a Holanda um país diametralmente oposto ao Brasil, não
é de se espantar que vivendo aqui, um brasileiro possa vir a aprender
muitas coisas que seriam difíceis de encontrar abaixo da linha
equador.
Na Holanda, por exemplo, não existe o boteco, a vendinha da esquina,
aquela portinha que mais poderíamos chamar de um “buraco na parede”.

A coisa aqui funciona diferente: ao invés da coxinha, existe o
frikandel, ao invés da empadinha tem o krokete e são servidos em
snackbars. Na passagem do florin para o euro, esta parcela do
comércio foi responsável pelo aumento de preços dos mais abusivos. O
que antes custava 1 florin, passou a custar 1 euro i.e. 2,2 vezes
mais caro.
Em Amsterdã, apesar da maioria dos snackbars servirem comida de
qualidade mediana e com atendimento dos piores do mundo.
Ainda bem que foi implementada uma lei contra o fumo em espaço público,
pois até dois anos atrás era muito comum ir-se a estabelecimentos com
gente fumando em espaços pequenos.

Mas Amsterdam ainda conserva o mesmo padrão cocô do
serviço holandês, onde os vendedores que preparam os lanches com a
mesma linda e maravilhosa mão (imunda) que pegam no dinheiro e
fumam; este tipo de estabelecimento, e todos os outros similares de
comida rápida, vão muito bem e ganhando muito dinheiro.
De onde vem essa fonte de renda se a qualidade é tão duvidosa, o
atendimento tão irritante e a higiene tão desleixada?
E esta foi uma das coisas diferentes que eu, aprendi aqui na
Holanda: para minha grande surpresa, descobri que o principal motivo
dos lucros, aquilo que faz o negócio ir pra frente, são os
guardanapos de papel.
No snackbar, no FEBO da vida, no ordinário Mac Donald, no kebab do
egípcio, na barraca do Oliebol, seja qual for o pedido, o balconista
dará sempre apenas UM e ÚNICO guardanapo.
E se o cliente pedir outro, um olhar reprovador cruzará os ares do
estabelecimento e somente mais UM guardanapo será entregue, com uma
educação fria, num ato constrangedor. O cliente então leva pra casa
dedos oleosos e um enorme sentimento de culpa.
Certa vez, eu comprei cinco oliebollen. (Oliebol , traduzindo ao pé
da letra, é bola de oleo). É uma espécie de sonho sem graça, sem
recheio, coberto de açúcar pra disfarçar o gosto do óleo úmido.
Aproveitamos a promoção de apenas um euro e cinqüenta pra toda a
família: a patroa, os três mostrinhos, comumente chamados de filhos,
e eu . Fazemos isso mais pela tradição do que pelo prazer. Ficamos
no frio, pois esta é uma tradição do inverno, esperamos logamente na
fila, pra depois não reclamar que não nos adaptamos às tradições do
país.
A loirice aguada e educada da vendedora apanha um saco, coloca lá as
cinco unidades, e bastante açúcar por cima. Depois coloca UM mísero
guardanapo dentro do saco. Fecha um saco e abre um sorriso.
Cinco oliebollen pra quatro pessoas e UM guardanapo.
Sem que se tenha tempo pra perguntar por mais lenços de papel, ela
já nos dá um “ doei ” e vai atender o próximo cliente. Eu como sou
prevenido já trago os bolsos cheios de guardanapos. Sempre que posso
eu apanho extras, pois conheço a “minha gente”.
Isso porém não evita que antes que se possa tirar os lenços do
bolso, a criança já não esteja coberta de açúcar até os cabelos e as
mãos oleosas, sendo gentilmente limpas na calça nova do pai.
No Brasil não é assim, não. Você pode ir a qualquer lugar que lhe é
servidor MUITOS guardanapos. Sim, eles são mais finos e se
desmancham no ar, mas estão lá, à vontade do freguês.
É por isso, que a renda per capita brasileira é mais baixa que a da
Holanda. O Brasil deve perder milhões por ano em guardanapos,
enquanto os holandeses, devem lucrar horrores.
Ari Carlos, um florianopolitano conhecido meu, que veio morar em
Amsterdã, muito sagaz, como todo florianopolitano, logo percebeu
este detalhe da economia holandesa. Ele então passou a frequentar
locais onde podia apanhar guardanapos de papel livremente. Em pouco
tempo, ele já havia acumulado suficiente para iniciar um tráfico
destes lenços de papel.
Ele criou uma bolsa ilegal de guardanapos no seu apartamento, em
Amsterdã Norte e passou a operar no câmbio negro junto com a máfia
do Suriname , que usava o aeroporto de Schiphol com ponto de
abastecimento.
Mas logo caiu nas malhas da polícia ao ser flagrado apanhado fazendo
ponto de tráfico de guardanapos perto de um restaurante de comida
rápida, que de rápida não havia nada. Ele aproveitava a lerdeza dos
vendedores e a fila enorme e realizava assim, seu tráfico.
Chegou o dia infelizmente que ele foi apanhado. A interpol já estava
ao seu encalço. Uma busca em sua casa apreendeu toneladas do
precioso objeto, armas, (sim, o tráfico de guardanapos é muito
perigoso, imagine-se sendo perseguido por um holandês gordo
atirando-lhe frikandel pelas costas) e milhares de euros.
Com isto fica provado mais uma vez que o crime não compensa e o
melhor mesmo é adaptar-se ao país onde se vive e aceitar as
circunstâncias. Afinal, pra que se importar com seus dedos imundos,
se todo mundo à sua volta também os têm?