31.8.09

Pedalando no pais das bicicletas

Fiets in Amsterdam OudZuid



Viver no país das bicicletas não significa viver no “paraíso das
bicicletas”. Nada pior do que pedalar no frio, com uma chuva fina e
fria cortando o rosto.
Lógico que também há sempre o lado positivo de tudo: encarar a vida
de frente e estar muito feliz pela força de pedalar, pois saúde é o
melhor de todos os bens.
O otimismo e a poesia, porém, acabam no pneu furado, no sorriso
engraxado do bicicleteiro, que fará aquele típico serviço holandês
com um preço de se perder o equilíbrio.
Consertar um pneu, em Amsterdã, custa 12 euros. Dá pra alimentar uma
criança na África durante um mês. E são tantos os furos quantos são
os desmazelos. A solução é sujar as próprias mãos, ou comprar um kit
pra conserto de câmeras de ar.
Há que se tomar muito cuidado pra andar de bicicleta em Amsterdã, o
trânsito é louco, composto por bondes, carros, motos, patinadores de
tanga, pedestres, toda a sorte de animais, como gatos, junkies,
turistas e... holandeses.
E, pra servir de tapete a tudo isso, cacos de vidro e cocô de
cachorro.
É muito perigoso pedalar com pressa: do carro estacionado, alguém
abre uma porta, dando uma nova dimensão ao ciclismo: o vôo, com
direito a ambulância pro hospital, nos casos levados mais a sério. A
lei da gravidade é sempre mais forte que a lei do trânsito.
Mas tudo isso é questão de adaptação. É sentar a bunda no selim e
sentir-se em casa. Somos tantos os ciclistas e tanto são os
momentos, que a proporção que sejamos nós os escolhidos pra
fatalidade é muito pequena. Muito maior são as oportunidades para
bons momentos.
Por isso, o pior de tudo é encarar os roubos. Por mais cadeados que
se ponha, por mais cuidado que se tenha, mais dia, menos noite, sua
bicicleta será roubada, porque tem sempre alguém pronto pra estragar
a boa estatística da sua vida. Ano passado me foram cinco. Três
foram minhas. E quando eu finalmente havia aprendido a proteger-me
dos roubos, passaram a roubar as bicicletas do monstrinho do meu
filho.
Depois que roubaram a sua primeira bicicleta, só de raiva e comprei
uma mais bonita ainda e com seguro. Mas os cadeados, aprovados pela
seguradora, não foram suficientes pra conter a vontade dos ladrões.
A última que compramos possui três cadeados e sete regras de como
bem prender uma bicicleta. Apesar de muitas as chaves, são poucas as
esperanças.
Os vagabundos roubam sua bicicleta novinha em folha e vão vender na
praça da Rainha, (Koninginsplein) pelo preço da porção da droga em
uso. Sempre que me roubam a bicicleta, eu fico triste, cabisbaixo,
parado no lugar onde a vi pela última vez, como se ela tivesse voado
embora.
A partir daí, começo a me lembrar dos seus pneus macios e do seu
freio decidido. Nunca pensei que eu iria sentir saudades de um
pedacinho de arame amarrado no guidão como um anel, me protegendo
dos taxistas sanguinários e dos trilhos de bondes traidores.
Mas, eu aprendi com o próprio roubo das minhas bicicletas, como é
fácil “adquirir” uma em Amsterdã. Há muita gente que simplesmente se
esquece de fechar o cadeado, ou o faz de maneira errada.
Nós, seres superiores de carne e lã, estamos sempre querendo chegar
em casa logo, levados por esses bichos de ferro e borracha. Mas as
bicicletas, o que elas querem mesmo é sair por aí livres, nas mãos
de qualquer um, pra se livrarem da nossa tirania de ferrugem e
cadeados.
Esse drama todo, apesar de tudo, é pra quem vive nas “grandes”
cidades da Holanda. Pra quem está nos vilarejos do interior, as
chamadas dorpje, a vida é diferente, e talvez a bicicleta esta
guardada na garagem, esperando um final de semana prometido há
meses.